1.22.2010

3 na nova = força triangular da geração sob sol e arrebol.

Logo de manhã, bom dia, e arrumar as coisas. Tintas, calcinhas, pajelanças, instrumentos. A proposta de sair com o nascer do sol em meio a 15 pessoas vai se deixando no relógio. Mas relógio aqui não há, então, tudo segue em hora certa. Pois é impressionante a força que o correr tranqüilo da vida tem quando a eles nos deixamos entregar. Ainda assim, é preciso estar atento ao relógio, é preciso dar combustão aos guardiões. Que aqui nesta casa cada um guarda um algo, e em duplas ou trios temos guardadas nossas maiores intenções. E ainda, aqui nesta casa cada um guarda a si, guardando também o outro, que amor e alegria não nos faltar cair pelos cotovelos. E ainda, cada vez ainda mais, graças.

Antes de sair fazemos um roda, ficamos em silêncio ao lado das árvores, de pés na terra, sob céu azul cristalino feito azul celestial. Nossas mãos são dadas, nossos peitos também. Alguns dizeres de boas vindas e outro início, que por aqui estamos sempre, também, nos iniciando. Mas este início é de termos enfim nosso bando fechado, chegados os últimos, com ainda alguns outros pelo último ciclo da experiência a chegar, chegamos todos. Até nova iniciação.

Aos recém viajantes, que adentraram nossa morada na calada da madrugada, olhos vendados, seguindo o percurso e sendo guiados, pra esquecer da vida que ficou lá fora. São levados, a tocar nas árvores, a banhar de terra os pés, a andar em zigue-zague, a cheirar as ervas da rua, a ouvir umas canções, a chegar na toca. Toca, a toca da primeira pintura, a toca dos nossos animais de poder, a toca dos oitenta, a toca, pela língua dos nativos, do finado Henrique. Que foi onde sua família viveu, muitos anos, que foi onde casou, que foi onde pariu os filhos, que foi onde os caçou o que comer, que foi onde morreu. A toca, em língua nativa ainda mais antiga, que abrigou, em alguma película de tempo, quem nas paredes marcou suas gravuras.

Uma toca funda, com a parede da frente de paralelepípedos, já marcando os passos das pesquisas civilizadas. Com a parede de fundo de nascença, manchada em cores com os pós pigmentos desta terra, tendo a fuligem dos jantares da família do Henrique em seu teto, semi-lunar. Na área civilizada da toca uma fogueira, dos mais antigos nativos, abafada em tijolos para análise, civilizada. De chão irregular, de parede irregular, de corpos vendados que buscam enxergar se entregando ao solo, pelas vistas do tato, de todo o corpo. O espaço vai sendo preenchido pela necessidade da nossa disposição, em brincar de sermos outros, de sermos mais e além, em ainda de fato, sendo civilizados. Num canto nosso canto de cores, noutro canto nosso altar, noutros, os instrumentos, estes que nos guardam a alegria, a atenção, a emoção.

Começam os corpos a serem feitos, como se viessem sendo feitos do barro, de um barro de mil cores, de cores de mil formas, de formas de mil corpos. Iniciada nossa sessão, nossa certa longa sessão, nossa exaustiva demasiadamente longa sessão. Mas tudo ainda em hora certa, pois é impressionante como são certas as horas que não cabem no relógio, tudo em seu tempo, revelando as forças que são do determinado tempo revelar. Que são determinadas ao saber, mostrar-se.

Ao fim, ciranda. Cirandar cirandar, todos cirandando, em consagração às danças circulares, às danças democráticas, às danças populares, à alegria, à comunhão.

Lá fora, da toca, que ainda é dentro, que ainda é toca, a toca do mundo, lá, o sol vai dizendo que chega a noite. O arrebol, é no arrebol que os bichos se põe pra fora. No arrebol os sentires se exaltam, os homens tem as entranhas postas em maré, no arrebol os bichos saem da toca, os bichos voltam a face para os caminhos do mundo.

Na terra nossos passos nascidos em concreto buscam se achar, mas em outros passos, de oitavos maiores. Olhos em distintas forças se olham, respirações exaladas desde o profundo ventre, as peles rasgam a trilha, entre plantas, entre espinhos, formigas, aranhas, as peles, após rasgadas suas vestes, brincam, buscam, pulsam.

Como poeiras em máxima consciência de suas existências investigamos o sentir, investigamos o existir, investigamos a vida, de ontem, gravada por todos os cantos. De hoje, gravada nas células que partilham seus sopros sob este céu, em arrebol.

Coral.

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