3.26.2010

Iguana por Fafá Salles






esta noite fui visitar, fui visitar um sonho,
num sonho,
que vivi um tempo atrás.
um pouco tempo atrás,
que no desafio da vida,
caso cabra não se cuide,
vai caindo por trás das névoas;
por trás das brumas que a velocidade da vida se põe a pintar.

no sonho,
desta noite, que fui visitar,
era um caminho cor de terra.
uma estrada cor de terra parida sob o sol de rachar,
e tantas flores, tantas lindas flores com suas cores e perfumes mágicos,
que no sonho pensava como antes não tinha tudo aquilo olhado.

dum lado da margem, na beira da estrada,
um campo; doutro lado da margem
da beira da estrada, um morro
e uma bananeira.
uma bananeira carregada de banana boa,
e diferente, diferente a bananeira,
diferentes as bananas.

minha sede não resistiu, com cuidado,
que dentro de mim o sino do perigo já fazia refrão, com cuidado
me pendurei num galho que dava.
e no morro, no alto do barranco, dei de cara com a cobra.
e era uma aqui, outra logo ali, e correr já não dava.

seus olhos brilharam fundo nos meus,
como me dizendo que sabia tudo o que dentro de mim passava;
e foi amor, e foi amor que trocamos,
ainda que na certeza do bote.
foi quando me lancei ao chão
e pernas pra quem te querem.
só deu tempo de olhar pra trás,
ver o bote armado...

e com o coração na boca lembrei do que Seu Chico falava:
"sonho a gente nunca termina de sonhar".

3.25.2010

Peba, mocó, macaco, catitu.
Xique- xique, cabeça de frade, xixá, mandacaru.
Andorinha, borboleta, vespa, mosquito, abelha, mangangá e jacu.
Descobri a guabiraba, a pitomba e a delícia do umbu.
A beleza da raiz da gameleira,
e lá no alto, reinar o urubu.
Favela, jurema, mulatinha e pao roxo.
Eta, cabra danado! O sol queima até o osso.
Fogueira é coisa séria.
Cumadre batizou e cumpadre afirmou.
E se o sentimento apurrinha lá dentro...
Relaxa, nêga! Já diz o ditado do amor.
Quando eu resolvi vir pro Piauí, eu nem imaginava o que eu ia encontrar por aqui.
E de mais de tudo que eu aprendi,
É que a chuva é uma benção,
O sonho um segredo
E a vida uma prece.

Mel

3.19.2010

Quando fomos, antes de virmos, sentados em volta da nossa última fogueira, Seu Chico proferiu seu recado: “amanhã vai tá todo mundo em sua casa, no seu apartamento, se ligando, e achando que a vida é isso. Isso aqui não vai mais ter.”
Atenção amigos, atenção para o refrão: é preciso estar atento e forte! Não temos tempo de temer a morte! Quanta morte não esconde o intervalo da chamada.

Coral

3.18.2010

Hoje mesmo a noitinha me bateu uma saudade, saudade. Saudade, a certeza de estar irremediavelmente no presente. Presente, em pensar que o céu que nubla lá fora é exatamente, neste instante, o mesmo que voa pelas asas do Piauí. Que sobrevoa a possivelmente inabitada Casa dos Oitenta agora. Este céu, que não pairam dúvidas, é um chão floreado de estrelas. Com lua minguando tão clara que é de faltar ar em qualquer peito, e nestes sensíveis peitos ainda, quem dirá.
Hoje mesmo me bateu saudade, do Seu velho Chico dos Macacos. Por onde andarão tão astutos pés? Pelas asas das proteções mágicas da Senhora Dona da Mata, não é de dar dúvidas. Pelas sinfonias dos sapos que nos ensinam a respirar com a pele toda, na certa. Pelos pés de laranjeira, recostados na cadeira, partilhando nestes outros cantos a saudade que cintila pelas bandas de cá? Saudade, a certeza de estar irremediavelmente no presente. Presente.
Entre o extremo daqui e o extremo de lá, o presente. Há o presente em todos os cantos, o presente em todos os cantos nunca haverá de faltar. Falta água, falta pão, mas sol não haverá de faltar. Nem céu, enevoado, límpido, céu nunca há de faltar. E quanto mais não dirá a filosofia, entre céu e chão. E entre céu e chão quanta cabeça não há de estar. Cabeça, saltando pelos braços saudosos, com a certeza de estar irremediavelmente no presente. Presente, saudade.

Coral
como quem faz da vida uma brincadeira,
pinto com meu sangue,
uma fagulha no tempo.
A bateria está acabando.
O corpo está renovando,
das estrelas;
pras estrelas.
E porque não fiz poemas antes?